Total 90s - XXVIII

Neste mês: a beleza de um saco de plástico a esvoaçar; um senhor feijão que pouco fala mas muito faz rir; uma canção com um refrão que é um murmúrio e uns carrinhos a acelerar pela mesa da cozinha.

Filme: ‘Beleza Americana’American Beauty (1999)

A família de Lester Burnham (Kevin Spacey) é, aparentemente, uma família como todas as outras mas o que se vê nem sempre corresponde à realidade. Lester está a sofrer uma crise de meia-idade e as suas depressões complicam a má relação que já tem com Carolyn (Annette Bening), a sua mulher, e com Jane (Thora Birch), a sua filha. Carolyn trabalha numa agência imobiliária e leva a sua profissão muito a sério, ao ponto de se envolver sexualmente com Buddy Kane (Peter Gallagher), da concorrência. Jane é uma adolescente rebelde e apaixonada por Ricky Fitts (Wes Bentley), um rapaz excêntrico que se dedica a passar droga, apesar da rigidez do pai militar, o coronel Frank Fitts (Chris Cooper). Para Lester, a vida não tem sentido até que conhece Angela (Mena Suvari), a melhor amiga da sua filha.

Em 1998, após uma ascenção rápida e vários sucessos no teatro, o encenador inglês Sam Mendes começou a considerar a transição para o cinema. A porta para o mundo da sétima arte seria aberta por Steven Spielberg, que deu a Mendes a oportunidade de realizar ‘Beleza Americana’ para a sua companhia Dreamworks depois ver a peça ‘Cabaret’, vencedora de um Tony, em Nova Iorque. Entusiasmado pelo argumento original de Alan Ball, o bisneto de imigrantes portugueses assegurou que a sua estreia no cinema fosse um retrato agridoce de indisposição suburbana em torno de uma vida familiar disfuncional e da alienação juvenil. Com a ajuda do veterano director de fotografia Conrad Hall, Mendes usou três estilos distintos – cenas hermeticamente compostas para a narrativa, movimentos fluídos para as sequências de fantasia e imagens de vídeo portátil para os filmes de uma personagem.

Sam Mendes obteve o raro feito de ganhar o Óscar de Melhor Realizador com o seu primeiro filme, que também obteve o prémio de Melhor Filme, num total de 5 estatuetas douradas. Kevin Spacey arrasa como um timing cómico acutilante, incutindo na trama uma tristeza silenciosa que expressa o seu âmago cintilante mas perturbado. Para além de Spacey, ‘Beleza Americana’ apresenta um rol de representações magníficas, com momentos brilhantes de Annette Bening, Chris Cooper, Thora Birch e Wes Bentley. Mendes nunca expõe as suas personagens ao ridículo e protege-as de piadas fáceis ao dar-lhes tempo para se desenvolverem. Fornece-lhes profundidade nos seus relacionamentos e coloca-as em situações dramáticas, talvez um legado do seu passado ligado à encenação teatral.

O ano de 1999 viu estrearem nos cinemas dois filmes de sucesso com o prefixo “American” no seu título original: ‘American Pie’ e ‘American Beauty’. Se o primeiro é uma comédia adolescente que marcou uma geração e originou várias sequelas, o segundo é uma comédia-drama antropocêntrica que marcou o meu gosto pelo cinema. É certo que gostei de ver ‘American Pie - A Primeira Vez’ quanto tinha 19 anos mas não senti ser necessário ver novamente, ao contrário de ‘Beleza Americana’, cujos visionamentos adicionais levantaram novos detalhes. Vi-o no cinema pela primeira vez com colegas de faculdade e fiquei impressionado com o olhar crítico mordaz e com as nuances de um género que alternava surpreendentemente entre a comédia e o drama, um tipo de filme que não estava, até então, habituado a ver. Definitivamente um rito de passagem na minha compreensão e paixão pela sétima arte.

Série: ‘Mr. Bean’ (1990-1995)

‘Mr. Bean’ é uma série britânica de comédia, protagonizada pela personagem do mesmo nome, criada e interpretada pelo actor e comediante Rowan Atkinson. A sitcom, criada por Atkinson e Richard Curtis, teve originalmente 15 episódios, exibidos pela ITV, produzidos pela Tiger Aspect Productions e escritos por Atkinson, Curtis, Robin Driscoll e Ben Elton. O sucesso da série e da peculiar personagem deram origem a dois filmes – ‘Bean - Um Autêntico Desastre’ (1997) e ‘Mr. Bean em Férias’ (2007) e a uma série de animação (2002-2019).

Baseado numa personagem originalmente desenvolvida por Rowan Atkinson enquanto este estudava para o seu mestrado na Universidade de Oxford, a série é centrada em Mr. Bean, descrito por Atkinson como "uma criança no corpo de um homem adulto", e como tenta resolver vários problemas apresentados por tarefas diárias, levando a situações cómicas. A série foi influenciada por actores de comédia física, como Jacques Tati e estrelas dos primeiros filmes mudos. Durante a sua exibição original de cinco anos, ‘Mr. Bean’ foi amplamente aclamado e atraiu grandes audiências de televisão. A série foi vista por 18,74 milhões de telespectadores no episódio ‘The Trouble with Mr. Bean’ e recebeu vários prémios internacionais, incluindo a Rose d'Or. A série já foi vendida para 245 territórios em todo o mundo muito porque, além da aclamação de sua execução original, usa escasso diálogo inteligível, tornando-o acessível a pessoas que sabem pouco ou nenhum inglês.

Além dos 15 episódios oficiais, emitidos originalmente no Reino Unido entre 1990 e 1995, Rowan Atkinson chegou a filmar cerca de outras 20 peças humorísticas como Mr. Bean entre 1993 e 2007 (sem contar com uma participação especial na abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012). Algumas nunca foram lançados em vídeo, sendo apresentados somente na televisão britânica, ao vivo ou gravados. Outros, como ‘The Bus Stop’ e ‘The Library’, podem ser encontrados em relançamentos da série original em DVD, incluídos como material extra. Em Portugal, a série estreou no horário nobre da RTP1 nos anos 90, legendada, e foi presença constante no mesmo canal na década seguinte, e em vários horários, em especial às 12h30. Os episódios ‘Merry Christmas, Mr. Bean’ e ‘Do it yourself, Mr. Bean’ só foram exibidos por altura do Natal. Depois de mais de dez anos a entreter miúdos e graúdos, a última transmissão na RTP1 ocorreu no dia 1 de janeiro de 2010 com um especial de Ano Novo.

Somente ao preparar o artigo é que tomei conhecimento do número de episódios oficiais de ‘Mr. Bean’ que existem e que provavelmente não os vi todos mas que, em compensação, alguns já terei certamente visto várias vezes. Tal como Bean não é um indivíduo convencional, também a sua série não obedece a uma lógica de temporadas ou sequer de continuidade. Os episódios surgiam na televisão sem estarmos à espera mas quando começavam já ninguém lá em casa ousava mudar de canal. Mesmo quando eram repetidos.

Música: ‘Mmm Mmm Mmm Mmm’ – Crash Test Dummies (1993)

Os Crash Test Dummies são uma banda canadiana de rock formada em 1988. Apresentando-se desde o início da carreira como um quinteto, constituído por Brad Roberts (voz e guitarra), Ellen Reid (voz e teclados), Dan Roberts (baixo), Benjamin Darvill (harmónica e bandolim) e Mitch Dorge (bateria), o conjunto originário de Winnipeg, na província de Manitoba, passou a quarteto com a saída de Darvill em 2000 quando este assumiu o nome artístico de Son of Dave para lançar-se numa carreira a solo. Com uma sonoridade assente entre o rock alternativo e folk, a música dos Crash Test Dummies destaca-se pelas harmonias contrastantes entre os vocais graves de Roberts e as segundas vozes de Reid num registo mais agudo.

A banda começou por alcançar sucesso comercial no Canadá com o lançamento do seu primeiro trabalho de originais, ‘The Ghosts that Haunt Me’, em 1991. O álbum registou vendas de 400 mil cópias, em grande parte devido à popularidade do single ‘Superman's Song, que marcou presença na tabela RPM Top Singles naquele ano, assim como fez parte da banda sonora de um episódio da série de TV ‘Due South’. Os Crash Test Dummies receberiam o Prémio Juno para Grupo do Ano em 1992 mas o reconhecimento internacional só chegaria com o lançamento do seu segundo álbum, ‘God Shuffled His Feet’, no ano seguinte. Produzido pelo norte-americano Jerry Harrison, ex-guitarrista dos Talking Heads, o álbum gerou quatro singles, com um deles a sobrepor-se de tal maneira a todos os outros que valeu à banda a fama de one-hit wonder.

‘Mmm Mmm Mmm Mmm’, assim mesmo sem vogais e expressando literalmente o murmúrio que corresponde ao refrão, é a canção a quem os Crash Test Dummies devem a popularidade que detiveram nos anos 90. Composta por Brad Roberts, a música de estilo folk reflecte sobre histórias traumáticas de três crianças. Roberts decidiu cantarolar, em vez de realmente cantar, o refrão de ‘Mmm Mmm Mmm Mmm’ porque soava-lhe mais resignado e como tal acabou por nem escrever letra para essa parte da canção. O single tornou-se a música de maior sucesso da banda, alcançando a quarta posição nos Estados Unidos e a segunda posição no Reino Unido - o maior êxito do grupo em ambos os países. Também alcançou o primeiro lugar na tabela de rock moderno nos Estados Unidos e igualmente na Austrália, Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Islândia, Noruega e Suécia.

Descobri a canção quando começou a rodar frequentemente nas rádios nacionais e chamou-me a atenção a voz de baixo-barítono do vocalista (mais habitual em ópera do que no contexto pop-rock) e a forma como contava (e cantava) a história presente na letra. Anos mais tarde tive curiosidade em conhecer mais sobre os Crash Test Dummies e comprei, em promoção, o CD ‘God Shuffled His Feet’. Já conhecia outro dos singles – ‘Afternoons & Coffeespoons’, que também chegou a passar nas rádios, e no geral gostei bastante do álbum. A banda continuou a lançar novos discos e a testar novas sonoridades mas nunca recuperou a popularidade perdida com a entrada no novo milénio.

Videojogo: ‘Micro Machines 2: Turbo Tournament’ (1994)

Micro Machines são uma linha de brinquedos originalmente fabricados pela Galoob (agora parte da Hasbro) em meados da década de 1980 e ao longo da década de 1990. A marca é especializada em modelos de automóveis em miniatura, de escala inferior a outras marcas do sector como Hot Wheels, Matchbox ou Majorette. Durante 3 a 4 anos, a Micro Machines foi a linha de carros de brinquedo mais vendida nos Estados Unidos, com vendas totais em dólares superando as combinadas dos seus três maiores competidores directos. O sucesso nas vendas levou a empresa a colaborar com a produtora britânica Codemasters para o lançamento de videojogos baseados na marca.

‘Micro Machines’ (1991), o primeiro jogo da série, lançou as bases da jogabilidade: um jogo de corrida visto de cima com veículos em miniatura. As pistas de corrida são temáticas, não convencionais e baseadas em configurações domésticas. Por exemplo, algumas corridas acontecem numa mesa de cozinha ou de bilhar, enquanto outras ocorrem num jardim ou numa banheira. O seguinte ‘Micro Machines 2: Turbo Tournament’ foi lançado em 1994 e apresentou veículos que exigiam diferentes técnicas de condução para cada pista, incluindo hovercrafts e helicópteros. Nesta sequela existem diferentes modos de jogo, incluindo "mano-a-mano", em que cada jogador ganha pontos distanciando-se o suficiente à frente do oponente até que este deixe de ficar visível no ecrã.

Apesar de ter sido lançado tanto para as consolas da Nintendo como da Sega (e também para MS-DOS), a versão para a Mega Drive destacou-se nas vendas pela vantagem da tecnologia J-Cart. Desta forma, o próprio cartucho incluía duas portas para comandos de jogo, eliminando assim a necessidade de um adaptador para quatro jogadores. Também incluía um recurso de “compartilhamento de joypad” que permitia que dois jogadores compartilhassem um único comando; assim permitiu que oito jogadores pudessem competir simultaneamente em determinadas pistas. Uma versão actualizada do jogo foi lançada apenas em regiões PAL para a Mega Drive dois anos depois, intitulada ‘Micro Machines Turbo Tournament '96’. A versão melhorada apresentava novas pistas combinadas com outras actualizadas de ‘Micro Machines 2’. Também apresentava um kit de construção de pistas incluído anteriormente na versão do MS-DOS.

Quem nunca brincou com carrinhos quando era criança? As minhas corridas em casa eram feitas com carros, na sua maioria, da Majorette mas alguns colegas de escola tinha Micro Machines. Chegado à adolescência, os carrinhos passaram a ser “conduzidos” através dos comandos das consolas e o meu primo teve o ‘Micro Machines Turbo Tournament '96’ para a Mega Drive. Diferente dos outros jogos de carros, que se esforçavam por recriar um estilo de condução e pistas mais próximas da realidade, em ‘Micro Machines’ era quase como um regresso à infância pela configuração muito própria mas não deixava de ser viciante e competitivo. Foram muitas corridas, na sua maioria perdidas pelas vezes que o meu carro caía da mesa, mas foram sempre tempos bem passados.